sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Homicidio cor de Rosa

 Carlos Castro: Nasceu em Angolaem 1945 e em 1975 chegou a Portugal. Homossexual assumido, foi durante anos o organizador de numerosas produções artísticas, como a Grande Noite do Fado, ou a Gala Noite dos Travestis. Colaborava com vários títulos da imprensa portuguesa como cronista social.No dia 7 de janeiro de 2011 foi encontrado morto num quarto do hotel Intercontinental, em Times Square, Nova Iorque. Carlos Castro dera entrada no hotel a 29 de dezembro de 2010, acompanhado pelo modelo português Renato Seabra, o principal suspeito do homicídio cometido no 34.º andar do hotel. Foi encontrado inconsciente e com sinais de ter sido agredido na cabeça e sexualmente mutilado.
 Toda a gente tem sonhos. E segredos. E pecados. Quem não sonha está morto; quem não se resguarda é tonto; quem não peca é santo. Sonhos, segredos e pecados não são crime. O problema está na fronteira que determina as respectivas definições. E, mais importante, na maturidade e no bom-senso necessários para suportar cada um deles. Como em tudo na vida, de vez em quando é preciso colocar o pé no travão.
Renato Seabra, 21 anos, finalista de Ciências do Desporto, em Coimbra, tinha um sonho. Ser manequim, provavelmente internacional. Ambição legítima. Candidatou-se a um concurso televisivo, que a televisão parece ser o único veículo reconhecido como eficaz pela geração à qual pertence. Ficou em segundo lugar. A família há-de ter ficado feliz. Os amigos também. Ninguém questionou. Ninguém accionou o travão. Neste tempo, nada parece satisfazer mais as pessoas do que exibir o seu talento, seja ele qual for, na televisão. E a televisão dá para tudo, para cantar, dançar, representar, cozinhar, emagrecer ou só para simular o quotidiano dentro de uma jaula. Vale tudo. Daqui a cem ou duzentos anos, há-de falar-se deste tempo como um tempo muito sinistro.

Mas nem a televisão, com toda a sua pressa, parece ter conseguido responder à urgência do sonho de Renato. E, por isso, talvez ele tivesse também um segredo. Que mal teria aproximar-se de Carlos Castro, 65 anos, velho colunista do suposto glamour nacional a quem os transeuntes desse suposto glamour agradeciam a rampa de lançamento, se com isso conseguisse acelerar a projecção da sua carreira? Aparentemente, não teria mal nenhum. Se tivesse tido travão. Maturidade e bom senso. E verdade, já agora, que é coisa que também começa a escassear. Madrid, Londres e Nova Iorque) com aquele homem, por muito conhecido que fosse. Com aquele ou com qualquer outro. Mas os holofotes cegam quem nos holofotes quer ser feliz.
E foi seguramente um Renato cego, independentemente de ser homo ou heterossexual, que matou outro homem, também ele cego, Carlos Castro. O primeiro, cego pela ambição; o segundo, cego pela devoção de um rapaz mais novo. O que mais choca não é a morte, por monstruosa que tenha sido. O que verdadeiramente choca é disponibilidade mental que as pessoas cada vez mais parecem ter para permutar a honra pela desonra. Mesmo que para sempre consigam manter a desonra em segredo. E, neste caso, quem a permutou primeiro: se o homem que não teve coragem para se afastar de um miúdo sequioso de fama, preferindo acreditar que este o amava; se o miúdo, perigosíssima e preocupante amostra de uma geração, que é capaz de se violentar ao ponto de fingir amar alguém só para daí retirar benefício.
Do sonho e do segredo de Renato, restou-lhe apenas o pecado. Capital.

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